17.10.21

"Tudo é sagrado"











"Busco refúgio no convés interior e, deixando o rosto encostar-se à janela, vou fechando os olhos e permitindo que o sono vença sobre o doce fragor da maresia, e penso, antes do grande silêncio, que talvez o propósito da vida seja este, largarmos a vida, renunciarmos ao propósito, deixarmos que o esquecimento vença, que a memória esqueça, para que, quando o final, inelutavelmente, chegar, tudo mergulhe numa abençoada vertigem e um sorriso trocista assome aos nossos lábios e possamos saber, finalmente, que se esgotaram as existências, que tudo é sagrado, o que foi feito foi feito, nada a pôr, nada a tirar, e será então que poderemos, finalmente, acolher a imundície humana e a insuportável beleza deste mundo como acolhemos o cálice de uma flor que sabemos morta de antemão, mas que sangra, porque está viva, porque está morta, porque está viva."

(João Tordo, in O deslumbre de Cecilia Fluss)

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