3.12.06
"Normalmente é no terceiro minuto a partir do crepúsculo que o ar da praia é mais frio do que a água. Não no segundo nem no quarto: no terceiro e durante onze segundos, o que requer discernimento, atenção e paciência. O melhor é encostarmo-nos à muralha, de queixo na palma, vigiar as gaivotas, dar fé da mudança de cor no horizonte e nisto, mal o terceiro minuto começa, tira-se a palma do queixo para que o ar poise nela e aí está: pega-se no ar da praia, mete-se no bolso e leva-se para casa sem deixar entornar.
(...) Sou feito de cardos e há palavras que deixei secar dentro de mim ou a vida secou. Claro que vou escrevendo, vou respirando, até me acontece, às vezes, orvalhar-me. Mas escondo. Dantes fechava-me à chave na casa-de-banho para não me ver no meu desespero. Depois abria a porta e saía a assobiar. Há alturas em que assobiar custa imenso. Fazia um esforço, conseguia.
- Como estás?
Interrompia o assobio:
- Estou óptimo
e a noite levantava, sem que ninguém notasse, uma renovada tímida de lágrimas. Podiam ser melros ou pombos ou assim, insistia
- São melros ou pombos ou assim
mas eram lágrimas. As lágrimas também podem fazer ninho nas árvores ou nas empenas dos telhados.
(...)no terceiro minuto a partir do crepúsculo, não nem no segundo nem no quarto, a inventar uma flor. Se não te importas conta-me uma história em que as pessoas se casem no fim."
(António Lobo Antunes)
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