7.9.16

Do tempo



"E, assim, privado do andamento dos ponteiros do relógio, o tempo foi passando nas trevas. Era um tempo não dividido, não medido. Ao perder os seus pontos de referência, o tempo deixava de ser uma linha contínua e convertia-se num fluido sem forma que ora se dilatava ora se encolhia a seu bel-prazer. Durante esse tempo, dormi, acordei, voltei a dormir e voltei a acordar. Aos poucos, habituei-me a não olhar para o relógio. Aprendi à custa do meu próprio corpo a libertar-me daquela dependência. Apoderou-se de mim uma angústia insuportável. Era certo que me tinha libertado do tique nervoso de ver as horas de cinco em cinco minutos, mas, em contrapartida, e à falta desse ponto de referência, sentia-me como um homem caído de um barco em movimento ao mar, em plena noite. Gritava a plenos pulmões mas ninguém me ouvia, e o barco prosseguia a sua rota e afastava-se rapidamente, até desaparecer de vista."

(Haruki Murakami, in Crónica do Pássaro de Corda)


(Painting by Brooks Salzwedel)

1 comment:

ana said...

lindo. obrigada pela partilha :) *